SISTEMAS PRIMITIVOS DE NAVEGAÇÃO NO MONDEGO

Não se pode falar em sistemas de navegação no rio Mondego sem citar a barca serrana que é, de todos, o mais conhecido, não só por ter sido um meio de transporte fluvial de mercadorias muito importante, mas também porque ultimamente muito se tem feito para que a sua memória perdure, como é o caso da construção de novas barcas destinadas a efetuar pequenas viagens turísticas no rio, nas zonas de Penacova e Coimbra e também a exposição de exemplares em sítios onde podem ser apreciadas livremente, como é o caso de uma barca que se encontra exposta numa rotunda em Penacova e outra no Museu de Marinha, em Lisboa.

Barca Serrana em Penacova.
Já falei da barca serrana em artigos anteriores, mas este modelo de embarcação não era o único existente no Mondego e, neste artigo, vou referir esse e outros sistemas de navegação que outrora sulcavam as águas do maior rio inteiramente português.

Barca Serrana
De origem mesopotâmica e da família dos moliceiros, a barca serrana caracterizava-se pelos seus dois bicos em ponta levantada, de fundo chato e de cor negra contrastando com a vela branca, com um comprimento de 17 a 24 metros, por 2 metros e 40 cm de largura.

Deslizando ao sabor da corrente, as barcas, no sentido descendente raramente usavam outro meio de propulsão que não o da corrente. Quando havia algum vento os barqueiros aproveitavam para montar o mastro de cerca de oito metros de altura, encaixando-o na coicia a apertando-o fortemente com o ferro ou a canga do barco, fixando o mastro para não quebrar, em caso de muito vento, com duas cordas (estais) que, saindo do topo do mastro, vinha cada uma segurar firmemente às adragas dos costados. Içavam de seguida a vela puxando a adriça, corda que passando pela roda do moitão ia segurar ao centro da verga.

A direção da barca era controlada pelo arrais (ou também pelos barqueiros), que sentado à proa ou à ré da barca, fazia mover o leme puxando a corda da rabeca à sua esquerda ou à sua direita.

Outro sistema de propulsão, usado principalmente na subida do rio, era a vara, propulsão que era feita pelos barqueiros com ajuda de uma vara. Os barqueiros faziam mover a barca deslocando-se ao longo dos bordos que tinham 16 cm de largura e que muitas vezes se encontravam cobertos de pez e farelo para impedir que escorregassem.

Ainda na subida, quando a altura da água o permitia, como em caso de cheias, os barqueiros recorriam à remagem. Quando a água era escassa recorriam à sirga prendendo uma corda à proa e na outra extremidade da corda prendiam uma ou duas varas afastadas com um ou dois nós de correr e, com um barqueiro em cada vara, puxavam a barca de uma das margens.

Quando a corrente era tão forte que não podia ser vencida com o uso da vara por esta não se poder firmar no leito, navegava-se também à goma, que consistia na alagem das barcas pelos ramos dos salgueiros e arbustos das margens.

A montante de Coimbra existiam outras embarcações, embora menos significativas do que as barcas serranas, tanto em número como em eficácia de transporte de carga, que ficaram conhecidas como: o barco, o barco de Palheiros e o barco do lavrador.


Uma barca em construção nas oficinas de Paulo Rodrigues,
em Ferradosa, um dos poucos, se não mesmo o único
 construtor destas embarcações, atualmente.
Os mestres que se dedicavam à construção ou reparação destes barcos eram conhecidos por Carefetes. Existiam  estaleiros na zona de Penacova e Raiva e uma barca levava cerca de 12 dias a ser construída, com quatro ou cinco homens a trabalhar, incluindo o interessado em adquirir a barca, desde o nascer até ao pôr do sol.

Estes barcos tinham uma duração média de 10/12 anos, dependendo a duração da qualidade da madeira. Eram utilizadas madeiras de pinho e carvalho, este último apenas para as cavernas existindo a necessidade das embarcações serem remendadas anualmente com pez e estopa nas juntas.

Barco e barco de Palheiros
O barco e o barco de Palheiros eram de dimensões variadas atingindo no seu máximo um comprimento de 17 metros (normalmente tinham 11/12 metros), com as cavernas mais baixas e só a proa era desenhada em bico revirado enquanto a ré era de perfil quase reto. A diferença entre estes dois barcos assentava principalmente na forma do leme e no pau do leme através do qual se direcionavam os barcos. De notar que esta forma de controlar o leme diferia das barcas serranas onde esse controle era feito através das cordas da rabeca ligadas ao leme. Quanto aos sistemas de locomoção destes barcos era o mesmo que era utilizado nas barcas.

Barco do lavrador.
Barco do lavrador
O barco do lavrador era usado principalmente para o transporte de pessoas, alfaias e gado de uma para outra margem do rio e possuía formas muito semelhantes aos outros barcos, mas era de dimensões bastante inferiores (cerca de 7/8 metros de comprimento. Os barcos do lavrador não tinham leme e a sua locomoção era feita através de remos ou vara, podendo também ser movidos à vela.

Jangada
No verão, quando a água era escassa, sendo difícil fazer circular os barcos, utilizavam-se para o transporte de madeiras para serrações as jangadas. Estas chegavam, por vezes, a atingir um comprimento de 38 metros e manobravam por entre os extensos bancos de areia, procurando os canais de maior profundidade. Eram compostas por várias idas de toros de pinho com cerca de 35 cm de diâmetro (algumas chegavam a ter 17 idas de toros). Quando chegavam ao destino eram descarregadas e desmontadas no local obtendo-se mais de 8.000 Kg de madeira.

Barcaça de Montemor

Réplica da barcaça de Montemor.
A barcaça em funcionamento no século passado. (Foto do Google imagens) 

No século passado existiu em Montemor-o-Velho uma barcaça que foi construída como o objetivo de possibilitar a travessia do rio Mondego à população residente na vila que tinha necessidade de se deslocar diariamente aos seus terrenos de cultivo. Essa embarcação tinha capacidade para transportar animais, juntas de bois atreladas ao respetivo carro e também as alfaias agrícolas necessárias aos diversos trabalhos que era necessário realizar.

Essa barcaça era de grandes dimensões, chegava a transportar três carros. Era movida pela força de braços do barqueiro e da sua vara. O rio tinha um grande caudal e aquele era um trabalho arriscado, mas não consta que alguma vez tivesse acontecido algum acidente grave. Esse trabalho terminou com a construção de uma ponte no local.


Em Julho de 2005 a Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, para homenagear as pessoas que viveram esses tempos difíceis, inaugurou um réplica da barcaça, estando também presentes nesse trabalho a figura de um agricultor com a sua junta de bois e o respetivo carro carregado com as alfaias agrícolas, um vitelo e também o barqueiro, este último a peça fundamental do conjunto.

Bibliografia:

Baixo Mondego, Região e Património, Actas do 1º Congresso do Baixo Mondego, Pág. 46/50, 1990. 

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