COMO CONSTRUIR UMA PEQUENINA CHÁCARA, SUSTENTÁVEL E BARATA


A minha pequenina chácara é um local onde dei largas à imaginação e levei a cabo alguns dos meus mais interessantes projetos caseiros. Naquele terreno, que tem uma área de apenas 800 m2, para além das culturas agrícolas, das árvores de fruto ou dos animais de criação que ali mantenho; construí uma pequena casa de pedra, alguns barracões, reservatórios para recolha de água da chuva, capoeiras e uma bonita cabana de troncos, idêntica às que eram, outrora, construídas pelos colonos, nos Estados Unidos da América.

Construí ali também alguns curiosos engenhos que funcionam com a força do vento e outros através de força muscular, para atender às necessidades da chácara, em termos de energia, para efetuar regas, trituração de cereais, etc.

Um dado muito interessante, é que tudo isto foi feito com muito poucos gastos de dinheiro. Muitos dos materiais empregados naquelas construções foram provenientes de aterros, valetas, rios e lixeiras, de onde trouxe pedaços de ferro, tijolos velhos, areia, pedra, madeira e até sacos de cimento já meio empedrado que utilizei em fundações.

Por tudo isto, posso dizer que a minha pequenina chácara é um local totalmente ecológico, mas atenção… se grande parte dos materiais foram reaproveitados e a chácara foi feita com pouco dinheiro, isso só foi possível utilizando o método “faça você mesmo”, ou seja com muito trabalho e utilizando as nossas próprias mãos…

Este artigo não se destina a ensinar quem quer que seja a construir uma chácara. A sua finalidade é de apenas mostrar como eu próprio fiz, para que, eventualmente, quem quiser levar a cabo um projeto idêntico, possa daqui extrair algumas informações.

“Eu chorava porque não tinha sapatos, até que um dia encontrei um homem que não tinha pés”.

Um dia, em criança, li esta frase num livro ou num jornal, disso já não me lembro muito bem, mas as palavras, essas, nunca as esqueci. No meu entendimento elas significam que não adianta estarmos a lamentarmo-nos da nossa pouca sorte, quando existem outros que estão muito pior do que nós. Por isso há que seguir em frente tentando multiplicar o pouco que temos, mas para isso é necessário despirmo-nos de preconceitos e usar um pouco de imaginação.

A produção de fruta para consumo próprio, é uma das principais atividades agrícolas da chácara.

Para ter a nossa horta onde possamos plantar as nossas couves, semear as nossas batatas, os feijões ou qualquer outro produto agrícola que queiramos é necessário ter um terreno com água e um pequeno edifício de apoio, um barracão e, eventualmente, um galinheiro e currais. E convém também fazer a vedação do terreno para, pelo menos, impedir a entrada de cães, ou até, em algumas zonas, de veados e javalis.

Tudo isto se pode fazer com muito trabalho, mas sem grandes custos. O problema maior é o terreno, porque o resto consegue-se desde que não tenhamos problemas em espreitar numa lixeira, num contentor ou num aterro qualquer, para ver se existem por lá restos de material deitados fora que se possam aproveitar. De certeza que se vão encontrar telhas ainda em bom estado, tijolos, madeira, pedaços de ferro, etc. Não se consegue encontrar tudo, alguma coisa terá de ser comprada, mas o mais importante e o que seria mais caro é a mão de obra e essa temo-la de graça, porque seremos nós a fornecê-la. Ora aí está a importância do trabalho para a sustentabilidade!

Eu não estaria a escrever este artigo, pelo menos nestes moldes, se não tivesse eu próprio feito, como já disse em cima, o que aqui aponto como um possível solução para ajudar à sustentabilidade económica. Já aproveitei materiais de construção que encontrei no lixo para as minhas pequenas obras, já retirei de rios, com grande esforço, areias e cascalho, já andei nas serras à procura de pedras…

Construção do tanque maior. Esta é a foto mais antiga que tenho dos trabalhos de construção.

Este projeto, “a minha chácara”, começou há doze anos atrás e tem vindo a crescer lentamente, de acordo com as possibilidades. É uma obra pequenina, mas da qual me orgulho muito, não só pelo trabalho realizado, mas também devido ao facto de muitos dos materiais que utilizei, depois de terem sido por outros considerados como inúteis, lhes dei nova vida, podendo dizer que é uma chácara construída, em parte, com materiais reciclados.

O terreno onde implantei a minha chácara tem apenas uma área de, aproximadamente, 800 m2., Este terreno, onde apenas existiam algumas oliveiras, já estava invadido por silvas e arbustos infestantes, porque há muitos anos não era cultivado. Naturalmente, comecei por fazer a limpeza do terreno, usando como ferramentas apenas uma enxada e uma foice, porque nessa altura as roçadoras mecânicas ainda eram um luxo inacessível para mim. Estávamos na primavera e o terreno foi lavrado de seguida, tendo depois semeado lá batatas, sementeira essa que iria contribuir para a limpeza da propriedade, porque as batatas iriam obrigar, para o seu arranque, a que a terra fosse cavada em pleno verão, o que daria origem à secagem e eliminação das ervas ruins de que ela estava infestada.

Construção de uma calçada rústica.
Arranjo da entrada da chácara.

Nessa altura ainda não tinha planos definidos sobre o que iria ali fazer. Pensava na construção de um barracão e de um poço, mas tive a ideia de, no imediato, plantar lá algumas árvores de fruto. Num projeto agrícola de ajuda à autossuficiência, esse tipo de árvores é indispensável e, então, procedi à plantação no meio do batatal, de cerca de trinta fruteiras de diversas espécies e também de uma palmeira. Curiosamente essa palmeira também pode ser considerada como uma “árvore reciclada”, uma vez que foi recolhida por mim, numa lixeira, quando estava quase seca, mas que, felizmente, recuperou e hoje é uma bonita e saudável árvore, que dá um ar tropical à minha chácara.

Antes de semear o batatal já tinha reservado um espaço para construir um pequeno barracão, mas para o erguer necessitava de lá ter alguma pedra, madeira, etc., tendo dado então início à saga da procura de materiais em aterros e lixeiras, rotulados, portanto, como inúteis. Para este barracão consegui encontrar, para além de pedras e madeira, também telhas, daquelas velhinhas, que eram conhecidas na região como telhas serranas.

Pequena casa de pedra com gerador eólico caseiro.

Terminado o pequeno barracão, que era a construção mais urgente no imediato, pois que iria servir para guardar algumas ferramentas e servir de abrigo, um outro projeto, um poço ou um furo artesiano, se impunha realizar com brevidade, pois o verão não tardava e iria necessitar de água para regar as árvores. Quanto às batatas acreditava que ainda choveria o suficiente e que não necessitariam de ser regadas 

Essa ideia do poço ou do furo artesiano era ótima, mas eu intimamente sempre suspeitei que não passava de uma quimera, pois ela comportava custos que, na altura, não tinha possibilidades de suportar, tendo optado por outras soluções muito mais económicas. Já tinha um pequeno edifício com um telhado. Esse telhado tinha apenas cerca de 10 m2 de área, mas já era um princípio. Com uma caleira feita de madeira e um bidão de 200 litros dei início ao sistema de aproveitamento de águas pluviais da minha chácara…

Esse bidão encheu rapidamente, logo após a primeira chuvada, não sendo difícil adivinhar que durante um inverno, com aquele telhado e mais alguns que viesse a construir, poderia armazenar uma grande quantidade de água para utilizar nas regas de verão.

Decidi então iniciar a construção de um tanque, de forma retangular, que iria servir de depósito de retenção de águas pluviais para serem utilizadas nas regas. Para a construção deste tanque tive a necessidade de comprar blocos, algum ferro e também cimento, porque dadas as caraterísticas de uma obra desta natureza é forçoso utilizar bons materiais. As paredes têm que ser reforçadas com pilares, cintas, com um reboco impermeável e, evidentemente, tudo isto tem que ser assente em cima de um bom alicerce.

Construção de um telheiro.

Quando acabei a construção do tanque, iniciei imediatamente a construção de mais um barracão e um telheiro, obras de que tinha necessidade, mantendo a norma da reciclagem de materiais, isto é, aplicando sempre que possível os tais materiais “inúteis”. Os telhados destas construções iriam ter a dupla função de cobertura e de abastecer o tanque com as águas da chuva.

Não demorei muito tempo a verificar que tinha cometido um erro na construção do tanque. Não um erro na construção propriamente dita, mas no seu dimensionamento, pois este reservatório que, inicialmente, tinha capacidade para 6.000 litros de água, encheu em muito pouco tempo, logo nos primeiros meses de Outono, pelo que verifiquei que o deveria ter feito com muito mais capacidade.

Para tentar colmatar esta falha, resolvi fazer outro depósito, mais pequeno, com capacidade de cerca de 4.000 litros, mas como não há duas sem três, ainda fiz um terceiro depósito, este construído em pedra de forma redonda com um aspecto rústico, com a finalidade de, para além de reservatório, embelezar o local.

Pequeno poço, um cata vento de bombagem de água e uma bomba de corda a pedal.

Mas, como a água é essencial para o sucesso dum empreendimento desta natureza e, como ainda não conseguia o armazenamento que permitisse a autossuficiência do precioso líquido durante o verão, decidi aumentar a capacidade do primeiro tanque que construí, podendo a partir de então fazer o armazenamento de cerca de 20.000 litrosde água, que têm sido suficientes para as necessidades da chácara, em anos de pluviosidade normal.

Hesitei um pouco sobre a melhor maneira de aumentar a capacidade de armazenamento de água, tendo pensado em fazer um novo depósito, mas depois de analisar bem todos os pormenores do projecto, achei que já eram depósitos a mais, tendo decidido aumentar as dimensões do primeiro tanque, porque além de minimizar os custos em material, poupava também na mão de obra e evitava a ocupação de mais terreno. Claro que parar obter sucesso numa intervenção destas no tanque, tive que operar com o máximo cuidado na ligação das paredes, pois, numa obra deste tipo, qualquer fenda que surja pode originar fugas de água, que depois são difíceis de eliminar. No entanto obtive aqui sucesso absoluto, pois a intervenção neste tanque ocorreu no verão de 2008 e nunca, até hoje, notei qualquer perda de água.

Pequeno lago para patos.

Este tanque recebe todas as águas dos telhados da chácara e possui, na sua parte superior, um tubo com a finalidade de, quando o tanque está cheio, transportar a água para outro depósito, após o que estando o segundo depósito também repleto, segue para um pequeno lago que fiz para os patos da chácara nadarem e também para ajudar à captação de águas. Este lago tem um sistema de esgoto que permite fazer a sua lavagem e aproveitar toda a água para regas, pois daqui segue um tubo para um pequeno poço, feito propositadamente para o aproveitamento dessa água.

No fundo do tanque principal coloquei uma torneira de uma polegada, à qual costumo ligar uma pequena moto bomba que, sem grande esforço, consegue pressão suficiente para que através de uma mangueira faça a rega das árvores e de todos os produtos agrícolas da chácara.

Apesar de tudo não posso fazer uma exploração agrícola muito intensa do terreno nos meses de verão, pois se o fizesse a água seria insuficiente. O uso de águas pluviais para regas está sempre limitado à capacidade dos depósitos de armazenamento e a construção de grandes reservatórios parece uma opção difícil de tomar, em terrenos que permitam a exploração de água subterrânea, através de um furo ou de um poço. No entanto, pode ser uma ótima solução em locais onde não existe água, ou esta se encontra muito profunda no solo.

Duas mini estufas para alfaces.

Um sistema de aproveitamento de águas pluviais é muito simples de fazer. Basta canalizar, através de caleiras e tubos, as águas dos telhados para um reservatório. No caso de não haver telhados terá que se arranjar outra solução para a sua captação, podendo a construção de um tanque com uma maior área quadrada ser uma solução, que teria o inconveniente de uma maior exposição solar, que iria provocar a evaporação da água em maior quantidade no verão, mas também esse inconveniente poderia ser minimizado colocando uma cobertura no reservatório.

A maior dificuldade pode ser a construção do depósito que, para quem tiver alguns conhecimentos do ramo, também não é difícil. Convém fazer uma construção segura, de acordo com as suas dimensões, para não haver perigo de fugas de água. Existem muitas formas de se construir um tanque, obra que, na sua maioria, é feita em betão armado. No caso da construção com blocos de cimento, as paredes terão de ser bem travadas, com pilares e vigas em betão. O reboco das paredes na parte interna deve ser feito com uma boa argamassa de areia e cimento, devendo estas ser afagadas com lasso de cimento (cimento amassado com água), com o reboco ainda fresco.

Construção da cabana de troncos.
Aspeto final da cabana de troncos.

Para além dos reservatórios e dos barracões, a que já fiz referência, construí também na chácara uma pequeno edifício em pedra, uma construção de melhor qualidade do que os barracões, inacessível a ratos, que serve para guardar diversos produtos da terra, sementes, ferramentas, etc.

Com a finalidade de embelezar o local, para além do pequeno poço de pedra de que já falei, construí também a imitação de um pequeno moinho de vento, o que veio aumentar a aparência rústica do local. Mais tarde esta construção viria a servir de apoio a um pequeno gerador eólico, cuja turbina fazia rodar um dínamo de bicicleta que acendia uma lâmpada e que poderia, eventualmente, servir para carregar baterias, mas dada a fragilidade do gerador, essa finalidade parecia pouco provável. Entretanto, esse gerador, deu lugar a uma turbina de bombagem de água, mas foi importante para fazer algumas experiências.

No telhado da casa de pedra implantei uma turbina eólica, acoplada a um alternador de automóvel, mas por diversos motivos, esse engenho sobre o qual já escrevi neste blog, não produziu os resultados esperados, estando a estudar a possibilidade de lhe introduzir um outro tipo de gerador.

Mais tarde construí um cata vento para bombagem da água dos tanques para um reservatório elevado, de 1.000 lt, aumentando o volume total de água armazenada e passando a poder efetuar regas por gravidade, tentando eliminar ou, pelo menos, diminuir qualquer consumo de combustível, uma vez que pretendo que este projeto possa ser considerado completamente verde.

Todos os telhados têm caleiras para canalizar a água da chuva para os tanques.

Para além destes engenhos de vento artesanais construí na chácara três outras máquinas, também muito rústicas, mas que considero de bastante utilidade. Trata-se de um gerador de energia, de um triturador de cereais, e de uma bomba de corda, esta última para elevar água para o depósito de que já falei. Todas estas máquinas são movidas através de uma bicicleta. Qualquer delas funciona muito bem e, naturalmente, são completamente ecológicas, uma vez que funcionam a energia muscular, com a vantagem para a saúde que advém do exercício físico.

Por fim vou fazer referência à cabana de troncos que construí na chácara. Este projeto, para além da sua utilidade óbvia, veio dar o toque final para transformar este local num sítio paradisíaco, um local onde além do trabalho, se pode usufruir de descanso, se pode refletir e retemperar forças para projetos futuros.

O tema cabana de troncos já foi amplamente tratado neste blog, pelo que não adianta estar a escrever mais sobre o assunto neste post. Os leitores que ainda não conheçam os meus trabalhos podem visitar o blog Meio Século de Aprendizagens, onde obterão mais informações e também, caso queiram, podem comprovar o funcionamento dos engenhos caseiros aqui mencionados, no meu canal de vídeos.  



Vídeo com imagens da chácara, captadas ao longo dos anos.