VISITA A LISBOA

Este ano, em Julho, fui a Lisboa e a Vila Franca de Xira. O motivo desta visita foi o de rever locais que já não via há mais de três décadas. Tratou-se de uma viagem carregada de intimismo, de um reencontro com o passado e, por isso, a fiz sozinho. É um pouco estranho mas desde que terminei o serviço militar em 1976, apenas voltei à capital uma vez, em serviço, e estive lá apenas cerca de duas horas. É verdade que andava roído de saudades dos locais que frequentara durante três anos, principalmente da baixa de Lisboa e andava de ano para ano a adiar essa visita, que há muito tempo prometera a mim próprio fazer. Assim, no dia 16 de Julho de 2009, desembarquei em Santa Apolónia, onde tinha chegado pela primeira vez, madrugada fora, trinta e sete anos e meio antes, munido de uma mala de cartão, com o coração apertado e uma mão cheia de ilusões.

Santa Apolónia



Tinha pensado que, após tanto tempo, iria provavelmente encontrar muitas mudanças, que não iria com certeza reconhecer alguns locais, mas enganei-me redondamente. Afinal, tive a sensação de que nunca abandonara a cidade e que estava a regressar, após um fim-de-semana passado na terra. A estação dos comboios estava como há trinta e três anos atrás, as ruas também, as pessoas pareciam as mesmas, os eléctricos continuavam a circular pelas ruas e até as pedras da calçada dos passeios, polidas e desgastadas pelo tempo e pelo uso, me pareciam reconhecer. Por momentos pensei que estava a sonhar e senti-me feliz.
Quando cheguei ao Terreiro do Paço, as minhas emoções redobraram. Aquela praça, que durante três anos percorrera quase diariamente, estava ali à minha frente, mítica como outrora, bela como sempre.
Estive ali durante algum tempo a observar a praça, lamentando o facto de as obras que ali decorrem impedirem de a apreciar em todo o seu esplendor, mas enfim, são obras necessárias que a irão certamente tornar ainda mais bela no futuro.


O Terreiro do Paço. Apesar das obras, notei na praça a mesma envolvência mística de outrora

De seguida dirigi-me para a Rua do Arsenal com a intenção de visitar o local onde estive três anos a cumprir serviço militar, mas foi aqui que tive a primeira e única decepção desta minha viagem. Quando me dirigi à entrada do edifício da Administração Central da Marinha, apesar de me ter identificado como antigo marinheiro que ali prestara serviço e de dizer que tinha comigo documentos que atestavam a veracidade dessas afirmações não me foi permitida a entrada, tendo-me sido dito que só o poderia fazer acompanhado por um militar, que ali estivesse a prestar serviço e que me conhecesse, de nada me tendo valido a minha insistência.
Esta recusa deixou-me um pouco abalado, pois um dos objectivos desta viagem era uma visita ao interior do edifício, embora possivelmente aí não fosse reconhecer nada, pois sei que há alguns anos ele foi quase totalmente remodelado.


Parque Mayer. O Capitólio a ameaçar ruínas


Dirigi-me então para a Rua do Ouro e rumei ao Rossio, Restauradores e Marquês de Pombal. Desci a Avenida da Liberdade pelo lado direito, tendo feito uma paragem no Parque Mayer, local que outrora visitava com frequência e que agora está transformado em parque de estacionamento, com alguns edifícios dos antigos teatros em estado lastimável e degradante, onde antes existira muita vida e cultura.
De regresso aos Restauradores, ao Rossio e às suas ruas transversais, verifiquei que, por aqui, o verão é uma autêntica festa. Era hora do almoço e os restaurantes estendiam as suas salas de refeições pelas ruas fora. As esplanadas dos cafés estavam cheias e ouvia-se música de orquestra tocada nas ruas. Felizmente aqui a crise não se fazia notar mas, verdade seja dita, grande parte das pessoas que por aqui andavam eram turistas estrangeiros.

O "Petiscabebe". Tal como há três décadas atrás, continua a servir os saborosos "pipis"

Foi nesta altura que encontrei um pequeno restaurante ao cimo do Rossio, numa rua lateral, de que me lembrava perfeitamente, mas que julgava já não existir. Afinal ele ali estava tal como há trinta e três anos atrás, como se estivesse parado no tempo, com a mesma aparência e servindo exactamente as mesmas refeições: os famosos pipis, delicioso guisado de miúdos de frango, com os quais me deliciara e matara a fome imensas vezes, pois era um prato muito barato que, se a memória não me falha, na altura custava 12$50 (equivalente a cerca de seis cêntimos, na moeda actual). Naquela altura lamentei já ter almoçado, no entanto dirigi-me ao interior do pequeno restaurante e interroguei o empregado sobre a antiguidade da casa ao que ele me respondeu que já ali trabalhava há trinta anos e que a casa tinha muitos mais.


O edifício da Administração Central da Marinha. Foi aqui que cumpri o serviço militar e vivi as emoções fortes do dia 25 de Abril de 1974


Segui outra vez para o Terreiro do Paço, com a intenção de me dirigir novamente ao edifício da Marinha, desta vez ao portão da Av. Ribeira das Naus e tentar aí a minha sorte sobre uma possível autorização para visitar o edifício. Também por aqui me foi negada a entrada, no entanto autorizaram-me a tirar a fotografia que aqui publico.
De seguida estive algum tempo a observar o Tejo, junto ao Cais das Colunas, sentado nuns bancos de plástico coloridos, algo esquisitos, que incorporavam oliveiras (mais tarde vim a saber que se tratava de jardins portáteis, que tinham rodas para se poderem mudar de local, ao gosto dos utentes e que tinham ali sido colocados no âmbito das comemorações do 35º aniversário da revolução de Abril).

O Cais das Colunas


Enquanto olhava para as águas do rio, que naquele momento deixavam completamente a descoberto as duas colunas do cais, reflecti sobre algumas (poucas) diferenças que encontrei na cidade após tanto tempo de ausência e cheguei à conclusão que a maior de todas elas era, sem dúvida, o facto de não ter encontrado um único marinheiro fardado desde que ali chegara pela manhã. Recordei-me dos tempos em que eu próprio andava de uniforme vestido e eram às centenas os marinheiros que circulavam pela cidade a qualquer hora do dia. É certo que naquela altura ainda era obrigatória a entrada e saída dos quartéis envergando a farda, o que já não acontece há muito tempo, motivo que, aliado à grande redução de efectivos que tem ocorrido ao longo dos últimos, anos pode ser a explicação para esse facto. Seja como for Lisboa foi e será sempre uma cidade de marinheiros.

Os jardins portáteis. Uma ideia original e colorida. O exotismo no Terreiro do Paço


Levantei-me do exótico banco em que me tinha sentado e, então, hesitei entre ir apanhar um cacilheiro para me deslocar à outra margem do Tejo e ir ao Alfeite tentar fazer uma visita à Base Naval de Lisboa, ou seguir para Vila Franca de Xira, matar saudades do Grupo nº 1 de Escolas da Armada. Como a tarde já ia um pouco avançada decidi rumar a Vila Franca, com a promessa e o desejo de voltar em breve a Lisboa.

1 comentário:

  1. Há tanto para ler neste blogue que nem sei para onde me dirigir primeiro. Aqui está uma maneira enriquecedora de utilizar a internet. Gosto muito de ler os seus textos pois reflectem uma sensibilidade e um espírito de observação que não é fácil descobrir no dia-a-dia, devido às contingências da profissão. É um exemplo para muitos dos que trabalham no mesmo local que o senhor. Só posso agradecer-lhe por ter querido partilhar connosco as suas "Aprendizagens"!

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